Querido Diário #19
eu sempre me surpreendo com essa mania da vida de ser tanta coisa ao mesmo tempo.
Acordei hoje de manhã com uma mensagem de meu pai: minha vó faleceu. 104 anos se não estou enganada, a última vó que ainda estava viva.
A mensagem de meu pai me pegou de surpresa. Nunca tive uma relação próxima com minha vó Zefa, mas um afeto enorme encheu meu peito ao saber da notícia do seu falecimento. Ela foi empregada doméstica boa parte da vida, levava uma rotina simples e dura no interior e a primeira lembrança que me veio à memória hoje é dela juntando um dinheiro para colocar na poupança das netas. Não lembro qual foi a quantia, quando foi exatamente que recebi esse dinheiro ou o que fiz com ele, mas lembro que minha vó, do pouco que tinha, guardou um pouco pra mim.
“Do pouco que ela tinha, ela fez muito, pai”, foi o que respondi no whatsapp.
É estranho me dar conta de que uma geração inteira da minha família se foi. Que meu pai, tios e tias subiram um degrau e agora são os patriarcas e matriarcas e que eu, tão adulta, me tornei hoje a segunda geração viva da minha família.
Me dou conta de que cresci, voltando a ter consciência de que estou aqui e sou também parte da natureza. Se é lá que começamos, é para lá que voltamos. Um episódio de despedida que eventualmente acontece e que é triste, sim, mas também de uma beleza infinita - e eu sempre me surpreendo com essa mania da vida de ser tanta coisa ao mesmo tempo.
Que minha vó descanse em paz.
Que meu pai encontre conforto nessa despedida.
Que a vida siga trilhando seus caminhos e que eu - nós - saibamos aproveitar o privilégio de estarmos aqui. Mesmo que envolva planos frustrados, corações despedaçados e dificuldades cotidianas. Enquanto estivermos vivas, poderemos lutar.
Texto lindo!
❤️